segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A lenda da Bicha de Sete Cabeças de Silvalde

“Junto à Ribeira de Silvalde”, nas proximidades de uma ponte que foi romana e que já não o é por obras e vontade da gente de outros tempos, existia um campo e dele tirava o sustento uma mulher, com as forças do seu suor e trabalho. E assim ela estava, quando viu em sua direcção aproximar-se bicho nunca visto, que só de cabeças tinha muitas, e de cujas intenções a mulher fez tal juízo que logo deitou a correr no meio de grande gritaria. E porque estas coisas do susto se pegam como pestes e maleitas, com ela fugiriam todos os que por ali mourejaram, sem causa ou nome de tamanho alvoroço.
Com a noite ficou maior a canseira e, apesar do acontecimento ter perturbado o sono de muitos mais que alguns, acabaram todos por adormecer sobre os seus receios. Assim estava o povoado quando, altas horas da noite, o despertou súbito alarido, feito de balidos e cacarejos e tudo quanto é fala e canto de animais de criação, mas nada mais viram que os despojos da confusão, entre animais degolados e feridos de morte certa, além de muito sangue espalhado pelo chão.
Foi assim que decidiram os camponeses que um deles ficaria a vigiar durante a noite, enquanto esperavam pelo nascer do sol para ver o que melhor conviria fazer. E porque se lembraram ainda do que a mulher tinha visto e contado, mais decidiram que o que fosse escolhido para vigiar tocaria uma corneta para toda a gente chamar se algo de novo acontecesse.
Começava a aurora a render a noite, quando se ouviu a correcta e, como estava combinado, todos acorreram ao chamado. Então, o que de entre eles tinha logo fugido para a floresta vizinha, destruindo hortas e cultivos.
Ouvindo o que ora se contou, ajustaram os camponeses matar o monstro, pelo que se armaram de paus, varapaus, foucinhas, ancinhos e o mais que à mão encontraram; e pelos campos fizeram batidas e no povoado esperaram dias e noites até que lhes aparecesse a bicha, o que veio a acontecer numa tarde cinzenta e chuvosa. Uns fugiram logo, mas outros a atacaram com redobrada força, golpeando-a em vários sítios e órgãos, só se detendo quando a julgaram morta. Então um dos homens dela se aproximou, mas a bicha o fez pagar com a vida o seu atrevimento, golpeando-o no pescoço. Desta feita, sobre ela de novo caíram os camponeses e com outros tantos golpes a mataram de vez.
Contaram-lhe as cabeças e acharam o número sete. Em seguida enterraram-na junto a um pilar da velha ponte romana ali construíram uma capela para celebrar o acontecimento.

(Semanário Maré Viva nº 398 de 12/7/84)

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